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Repercussões

"Matéria publicada em abril/2003 pela Revista Veredas,
do Centro Cultural do Banco do Brasil:"


Escrita fantasma

Por Rodrigo Alves

Nem tudo é verdade no universo das biografias. Em alguns casos, o nome grafado na capa do livro não corresponde, de fato, ao autor do texto. Personagens que desejam transferir suas experiências de vida para o papel mas carecem de tempo ou simplesmente não têm o dom da narrativa precisam adotar uma saída prática para ver seu nome exposto nas prateleiras. É aí que entra a figura do ghost writer, o autor-fantasma que pesquisa, organiza ideias e escreve. Mas não assina.

Num mercado regido pela lei do silêncio, os profissionais vivem em sigilo e evitam falar. Os serviços são anunciados em jornais, revistas e, principalmente, na internet. Em geral, o primeiro contato é por e-mail. O tema do livro é amplamente discutido antes de se colocar a mão na massa. O custo dificilmente é inferior a R$ 5 mil, mas pode atingir valores muito maiores. A partir do momento em que entrega o produto final e recebe seu pagamento, o ghost writer some do mapa. Ausente nos créditos da obra, não ganha um centavo de direitos autorais e muito menos colhe os louros de um possível sucesso de vendas.

Alegando respeito ao compromisso com os clientes, a maioria prefere ficar no anonimato. Muitos mantêm carreiras paralelas como escritores ou professores. Por isso as entrevistas são raras. Um ghost writer paulista de 48 anos, com vasta experiência no mercado, concordou em falar a VEREDAS Online, desde que não fosse identificado. Escritor, tradutor, jornalista, criador do site www.ghostwriter.com.br <http://www.ghostwriter.com.br> e autor-fantasma de várias biografias, ele esclareceu uma série de questões sobre a profissão e não fugiu aos dilemas éticos que envolvem seu ofício.

Além da carreira de jornalista e escritor, que tipo de trabalho você faz como ghost writer?

Por formação e por gosto, prefiro trabalhar com autobiografias, biografias autorizadas ou não, livros de memórias, relatos de viagens ou de experiências pessoais. Nos últimos anos, fiz quatro biografias de gente muito conhecida, mas prefiro não entrar em pormenores.

Já precisou escrever coisas que vão contra suas ideias?

Já precisei escrever contra minhas preferências meramente pessoais, e não vejo problema nisso, uma vez que a autoria moral da obra é de quem a assina. Mas minha consciência não permite escrever contra meus princípios éticos e morais, isso eu jamais faria. Se estou escrevendo uma autobiografia para determinado personagem que deseja, por exemplo, fazer um elogio a um clube de futebol diferente do meu, ou que tem gosto estético diferente do meu, nada impede que no texto eu defenda seus pontos de vista. Mas no caso de um procedimento que considero antiético e imoral - por exemplo, defender o aborto ou a eutanásia, ou ainda ferir injustamente a reputação de uma pessoa que sei ser inocente -, eu não faria, ainda que perdesse um serviço rendoso, pois seria uma espécie de prostituição intelectual. Concretamente, nunca se apresentou um caso desses.

Tendo em vista que o ghost-writer não ganha um centavo a mais depois de entregar o trabalho, o serviço é bem remunerado?

O que mais influencia a fixação do preço é o tempo que o ghost writer emprega no trabalho - seja na pesquisa biográfica, nas entrevistas com a pessoa que encomendou a obra, no exame de cartórios, arquivos, documentos, livros etc. O grau de conhecimento especializado necessário para o trabalho também pode influenciar. Tudo isso é considerado na hora de fazer o orçamento e assinar o contrato inicial. Já aconteceu de eu cobrar uma quantia e depois ver que o trabalho acabou sendo muito mais fácil do que tinha imaginado; nesse caso, foi muito bem remunerado. Mas também já aconteceu de cobrar um preço que me pareceu justo e depois surgirem complicações que eu não havia previsto. Nesse caso, o trabalho foi mal remunerado. Às vezes as pessoas não se dão conta do trabalho queé escrever um livro.

Algumas pessoas alegam que há falta de ética no trabalho do ghost writer. O que você pensa sobre isso?

Quando uma pessoa, por pura vaidade e sem nenhum predicado moral ou intelectual, publica um livro em seu nome só porque pagou, realmente é algo que fere a ética. Mais ainda fere a ética um estudante pagar por um trabalho e apresentá-lo na faculdade como obra sua. Considero inaceitável e imoral o procedimento de pessoas que vivem de fazer teses universitárias para estudantes relapsos ou incapazes. Se, porém, uma pessoa tem bagagem cultural própria, se viveu um acontecimento importante, se tem uma experiência interessante a comunicar e não tem tempo ou jeito para escrever, não vejo mal nenhum em utilizar os serviços de um ghost writer. Imagine um médico que tenha dezenas de casos interessantes a contar, frutos de décadas de vida profissional. Ele contrata um ghost writer, grava o relato dos seus casos e o livro sai com seu nome. É claro que, por justiça, é dele a autoria do livro, ninguém pode contestar isso.

A intenção de não se identificar deve-se exclusivamente ao compromisso com os clientes ou você teme algum tipo de represália - seja ela moral, judicial ou de qualquer outro tipo?

Nunca tive problemas de ordem judicial, nem temi represálias de qualquer tipo. O sigilo decorre só do compromisso profissional assumido com os clientes.

Como é o mercado dos ghost writers no Brasil? Há muita gente prestando bons serviços, de confiança? Por outro lado, há muitos aproveitadores?

Tenho visto na internet muita gente oferecendo serviços, mas não sei avaliá-los porque não os conheço. Como eu, pessoalmente, estou sobrecarregado e não me falta trabalho, não me preocupo com os concorrentes. Mais de uma vez recusei trabalhos por não me julgar habilitado, por serem de áreas técnicas que não domino.


Reportagem publicada em 01/04/2003 às 10h00
Fonte: Verso Brasil Editora - editora@versobrasil.com.br

 

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